quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Vera Lúcia de Angelis - Mestres da dedicação

MESTRES DA DEDICAÇÃO

Até o final da vida , mesmo após 75 anos, ela se lembrava dos nomes das duas professoras que a acolheram nas terras da cidade de Sertãozinho. Numa das fazendas de café onde sua família trabalhava , como tantas outras de colonos.
Nunca sentiu saudades da vida na roça porque era muito dura. Mas recordava com amor das professoras e das aulas que tinha, pela metade, porque precisava esperar a mãe voltar de levar o almoço para os homens na roça, enquanto ela cuidava do seu irmão caçula bebê.
Passou a frequentar as aulas a partir do horário do recreio que tinha que perder para copiar a lição da primeira parte da aula. Às vezes a delicadeza da professora permitia que ela brincasse um pouco com as crianças. Afinal, o lúdico também faz parte do aprendizado. Sem contar que a menina não tinha dificuldades para aprender. Em outras emprestava livros para a aluna ler em casa e permitia que lesse em voz alta nas aulas, porque ela adorava.
O frio na barriga que sentia por ter de cruzar o pasto onde os bois eram soltos, após a passagem das crianças para escola, era dificuldade que somente ela enfrentava porque ia mais tarde. Eles eram mansos e não causavam perigo, mas para ela era atemorizante passar por eles. Também lembrava-se de seus nomes: Galante e Gabinete, certamente alheios ao receio que a acometia todo dia na hora de passar pelo pasto.
O preço do medo era bem pago pela alegria de aprender a ler que ela sempre valorizou, principalmente no apreço com a educação escolar das três filhas. Junto ao esposo garantiu que elas estudassem ensinando-lhes o valor devido das escolas e dos professores. Não estudou mais, porém dizia que aprendeu muito acompanhando as lições e trabalhos escolares das meninas.
Como as filhas responderam bem às expectativas acredita-se que tenha sentido o gosto de missão cumprida, até com as duas netas que seguiram o mesmo caminho.
Nesta semana viajei entre canaviais de uma cidade de São Paulo, chamada Tapiratiba, beirando o estado de Minas, divisa com a cidade de Guaxupé, para conhecer uma creche que abriga e ensina filhos de colonos que a frequentam nos períodos de colheita.
Vi bois como a menina descrita no início do texto, mas não precisei ter medo deles. Apenas fotografei e apreciei seus gestos lentos nas pastagens rodeadas pelas montanhas verdejantes que engrandecem a paisagem e acolhem pés de cafés, nesse dia floridos.
Na creche vi crianças que não vão para a roça e tem uma vida diferente dessa menina, mas levam uma vida simples que as professoras e funcionárias de lá tentam melhorar oferecendo-lhes amor e dedicação ensinando, principalmente, a disciplina necessária para que cresçam sabendo respeitar a si próprias e ao semelhante.
Fiquei tão gratificada de conhecer o trabalho dessas professoras e outras funcionárias de lá, que resolvi incluí-las aqui no meu texto pensando em outras desse nosso Brasil afora que devem viver mais dificuldades ainda para desenvolver essa profissão que é tão linda quando se exerce com amor e dignidade.

Vera Lúcia de Angelis

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