A MORTE E AS EXPECTATIVAS DA VIDA
Solange Vicentini Tavares Mössenböck
Já
pensei muitas vezes quando vou morrer. Lembro-me que perguntei à minha mãe
diversas vezes quando era menina, por que esta dúvida sempre me acompanhou.
Quando
estou feliz não me lembro da morte, vejo o mundo em sua exuberância, me
oferecendo sonhos. Quando bate a depressão sim, penso nela. Às vezes até a
quero como companheira, mas sei lá no fundo de meus pensamentos é por algum ato
dramático, por que desejo ser semente, não imortal, mas uma semente bem
guardada, de vida latente que se nutre a cada momento de amor e esperanças afugentando
a morte.
Quando
muito jovem, bobinha e ingênua, caí na conversa de adolescentes cabeças vazias.
Era moda usar uma gilete e cortar a pele bem leve e gravar ali o nome do
namorado.
Eu
não tinha namorado, então cortei minha pele com a palavra MORTE seguida de um
ponto de interrogação e depois, molhei a superfície com tinta Nanquim. Era
assim a tal moda daqueles tempos, a precursora das tatuagens modernas.
Levei
uma surra homérica de minha mãe que estava recém operada, com prognóstico ruim.
Gritou comigo dizendo:
-Estou
à beira da morte e luto para viver e você faz uma bobagem deste tamanho?
Ela também era dramática como toda boa mãe de
origem italiana. Tive de tomar banhos e banhos com água oxigenada e esfregar a
pele até queimar, mas valeu a experiência e a lição. Nunca mais tive dúvidas
nem usei a primitiva arte tão em moda entre os cabeças ocas da época. Ninguém
se casou com o namorado marcado e pouco tempo depois, a moda era outra.
Me
parece que não nos preocupamos com a morte até ela entrar em nossa intimidade
fazendo estragos, levando familiares e amigos. Eu em meus momentos normais não
me lembro dela.
Lembro-me
das pessoas que foram embora, que me deixaram com saudades, cavando um grande
rombo em meu coração. Meus parentes queridos, meus amigos, até meus animais de
estimação: cachorros, gatos, papagaio e a Aurora, minha linda arara vítima da
gulodice de meus cães. Eles fizeram
falta por muito tempo, depois o cimento da vida foi juntando os espaços e a
saudade ficou encarcerada dentro de mim.
Não
gosto de pensar na morte, penso no sol, no céu azul, na lua cheia, todos
produzindo energias e sentimentos bons que me enchem de ida.
Nos
dias de finados, nunca fui visitar meus queridos no cemitério, os que já se foram.
Prefiro conversar com eles em outros dias e procuro não chorar. Mantenho meu
monólogo, pergunto se andam fofocando muito, compartilhando receitas, fazendo
tricô, se estão alegres por terem se encontrado.
Saio
mais leve, como se estado em suas casas depois de um cafezinho.
Não
sei quanto tempo vou viver, não sei como é a morte. Procuro viver a vida com
decência, acredito que todos temos um papel importante para desenvolver, deixando
para nossos semelhantes o melhor que temos para que continuem na trilha certa.
Estes
dias li n internet a notícia de que cientistas comprovam a existência da alma e
que ela é imortal, são feitas de energia infinita. Então, percebo que o diálogo
com meus queridos que já se foram, pode ser feito em todos os momentos, sem
necessidade de dia marcado ou na presença de suas tumbas no cemitério.
Eles
me fazem falta, chorei muito com a morte de meus parentes, me senti uma
desamparada órfã aos quarenta anos quando perdi minha mãe. Naqueles dias e até
agora sinto na pele que não há idade para a orfandade, que perder nossos pais
ou nossos queridos nos traz sentimentos de solidão e tristeza que são
inconsoláveis.
Os
mexicanos tratam da morte nos dias de finados de uma maneira totalmente
diferente de nós. Fazem rituais festivos, como seus ancestrais pré-colombianos.
Enfeitam as casas, sacadas, ruas, árvores, postes, tudo fica multicolorido e
alegre musicado com suas mariachis e salsas. Dançam e cantam, poetizam a morte
de forma festiva.
Ali,
caveiras e fantasmas não assustam criancinhas. Ficam livres deste pesadelo que
assombra o imaginário popular de muitos povos. Penso que devo olhar com mais
atenção a irreverencia do povo mexicano ao enfrentar a morte de forma tão natural
e festiva.
Para
eles, foram-se os tempos das carpideiras, dos lutos fechados, das viúvas
condenadas à morte e enterradas junto aos maridos. Me parece uma sabedoria
bastante própria para conviver com as perdas de forma mais leve.
Graças
a muitas coisas e obras, estes tempos negros acabaram embora a morte esteja
presente a cada milésimo de segundo na vida de todos os seres vivos neste mundo
afora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário